Debate
Publicado em: 29/10/2019

Entrevista com o vice-prefeito: ‘Me sinto na obrigação de fazer oposição’

*Reportagem: Cristiano Pavini / Farolete

Há um ano o prefeito Duarte Nogueira (PSDB) e seu vice Carlos Cezar Barbosa (Cidadania, antigo PPS) não conversam. Sequer apertam as mãos.

Desde maio de 2019, o Promotor de Justiça licenciado ocupa um gabinete no andar térreo do Palácio Rio Branco – conquistado após seis meses reclamando que não lhe forneciam local para exercer suas funções. Apesar de frequentarem o mesmo prédio, a relação dele com o chefe do Executivo não melhorou. Pelo contrário.

Depois da ruptura, ocorrida em outubro de 2018, Carlos Cezar Barbosa vem aumentando gradativamente a intensidade das críticas à gestão: nas redes sociais, eventos e declarações à imprensa.

Em entrevista ao Farolete, ele é claro: “me sinto na obrigação de fazer oposição”.

Diz que o atual governo acertou em equilibrar as contas públicas, mas não avançou em áreas essenciais, como Saúde e Educação. Reconhece a “inteligência” de Duarte Nogueira, mas aponta que o prefeito é “personalista” e “autoritário”.

Questionado pelo Farolete sobre a Câmara, afirma que “a atual Legislatura teve uma boa renovação de nomes, mas não de mentalidades”.

A coordenadoria de comunicação social da prefeitura foi procurada pelo Farolete, mas preferiu não se manifestar.

Leia abaixo a entrevista completa, em que o vice aborda o seu futuro político, justifica as críticas ao governo e explica por que não renuncia ao cargo.

Mas, antes, clique no botão para curtir a página do Farolete no Facebook:


Quando foi sua última conversa com o prefeito Duarte Nogueira?
Em outubro do ano passado.


Essa ruptura ocorreu principalmente após as denúncias que você fez sobre a campanha da então primeira-dama [Samanta Pineda] nas eleições de 2018. Outros fatos também foram determinantes?
Com certeza. Aceitei a nomeação para ser secretário de Assistência Social, mesmo sabendo que se tratava de função muito espinhosa, com orçamento pequeno. Aceitei com promessas do prefeito em melhorar a secretaria para realizarmos um trabalho melhor. Mas isso não ocorreu. As promessas não foram cumpridas. Esse fato [denúncia de pedido de captação ilegal de recursos] não foi o determinante para a minha saída.  Sairia de qualquer maneira, estava vendo que não vinha sendo prestigiado pelo governo, não vinha sendo aproveitado como poderia ser.


Você tem um gabinete desde maio na prefeitura. Não cruza com o prefeito aqui dentro? Como fica a situação?
Dificilmente cruzo com ele aqui, raramente.


Mas e nas vezes em que cruza, como fica?
Sempre à distância…  nunca tivemos contato… mas não teria problema em nos encontrarmos, iria cumprimentá-lo normalmente. Na política a gente pode ter adversários, mas não inimigos. Em 30 anos de Ministério Público, nunca fiz nenhum inimigo.

Na campanha eleitoral, Barbosa e Nogueira demonstravam união (Foto: Facebook Duarte Nogueira / outubro 2016)


Depois que você se afastou do governo, começou a externar críticas abertas ao prefeito. E isso se amplificou nas últimas semanas, principalmente após o lançamento do movimento político ‘Todos por Ribeirão’.  Inclusive você é considerado como um dos líderes de oposição ao Nogueira. Não é contraditório ser de oposição e integrar esta administração pública?
Existe uma confusão que se faz com o cargo de vice-prefeito. Ele pode eventualmente integrar a administração como secretário ou conselheiro, isso fica a critério do prefeito. Mas a função maior do vice, que está na Lei Orgânica, é substituir o prefeito em caso de impedimento ou vacância. Então, como vice-prefeito, eu não faço parte da administração. Eu tenho um cargo expectante, e isso [críticas ao Executivo] ao meu ver não traz nenhuma incompatibilidade. Quando me dispus a ser vice da chapa do Duarte Nogueira, o meu objetivo era um projeto bom para Ribeirão. Mas isso não significa que tinha que defender o prefeito nas hipóteses em que esse projeto não se concretiza e as coisas acabam caminhando para um projeto pessoal.


Já cogitou ou cogita renunciar? Vai até o final do mandato?
Já cogitei, sim. Mas não seria correto com aqueles que confiaram em mim. Muitos votaram na chapa pela minha presença. Já tive acesso a pesquisas qualitativas que mostraram a minha importância, e como fui decisivo na eleição. Naquela época o prefeito enfrentava denúncias e acusações. Aí veio um vice-prefeito que se destacava no Ministério Público… Não seria justo com essas pessoas que confiaram em mim renunciar. Até porque ninguém sabe o dia de amanhã. Não somos imortais, não sabemos o que pode acontecer em questões jurídicas… então a possibilidade de vacância sempre está presente.


Quais os três pontos positivos desse governo?
Eu diria que um ponto positivo aconteceu no início, quando houve um bom rearranjo das contas, algo que o governo anterior não conseguia fazer, renegociação de dívidas, isso deu uma certa credibilidade, principalmente junto aos fornecedores. Esse é o maior ponto positivo. Muitos falam agora das obras [de mobilidade] em andamento. Não podemos deixar de ver isso como algo positivo também, ainda que todas elas venham de projetos da administração anterior. Mas [esse governo] teve o mérito de executar. Aponto apenas esses dois fatores positivos.


E os negativos?
Você anda e vê muita sujeira nas ruas, a zeladoria era um dos principais objetivos e acabou não acontecendo. Na saúde e educação as promessas feitas não foram cumpridas até agora, não vi nenhum progresso ou projeto nessas áreas, e são dois pilares da qualidade de vida da população.


E em relação ao prefeito? Ponto positivos e negativos….
No aspecto positivo vejo que é uma pessoa muito inteligente, tem uma memória extraordinária. Como negativo, não é uma pessoa aberta ao diálogo, não gosta de ser contrariada e portanto não é alguém que exerça liderança. Para ser um líder precisa saber ouvir. O prefeito não é dado ao diálogo. Acaba com isso criando uma gestão extremamente conservadora e centrada nele e em mais uma ou duas pessoas.


Você disse que o prefeito tem um projeto pessoal. Por que essa visão?
Pelo o que aconteceu até aqui o que vai acontecer. Com exceção do rearranjo das contas, os dois primeiros anos de gestão foram sendo levados muito tranquilamente, sem medidas de repercussão. E, para um analista político, isso tinha por objetivo pavimentar o caminho para as eleições de 2018, em que a então esposa foi candidata e o governador era do PSDB. Muito embora o rombo previdenciário [do IPM] fosse conhecido já na transição do governo, nada foi ventilado nos dois primeiros anos, não se discutiu planta genérica…  A impressão que dá é que só depois das eleições de 2018 o prefeito começou a tocar o dedo em algumas feridas. Isso mostra um projeto político.


O que mudou após as eleições de 2018?
Nós vimos uma outra postura do prefeito, mas ao meu ver conservadora e autoritária. Pois os bons projetos para o município não foram amplamente discutidos. A Planta Genérica, por exemplo, foi encaminhada para a Câmara em regime de urgência. Deveria ter sido feita uma discussão plural, com diversos segmentos da sociedade. Eu vejo uma omissão da Câmara muito grande em relação a tudo isso, pois é importante que o Legislativo participe dessas discussões. O parlamento vem de “parlar”, discutir, e não vejo essa atitude da Câmara Municipal, até por conta da postura do Executivo de não permitir essa discussão. Veja também a questão das OS na Educação, em que o Conselho Municipal não foi ouvido.


Como você vê o seu futuro político? Vai ser candidato a prefeito? Retornará ao MP?
Antes quero deixar bem claro: o vice não tem nenhuma função? Tem sim. Tenho ouvido as pessoas. Dezenas, todas as semanas no meu gabinete. Faço o encaminhamento dessas demandas para a administração, para o secretários, a função que restou para mim é essa, eu rodo pela cidade…

Vice-prefeito sequer conversa com seu companheiro de chapa Foto: Cristiano Pavini / Farolete


Você tem dito que não deve concorrer às eleições e voltar para o Ministério Público…
Não decidi ainda, mas não pretendo continuar na política. Meu objetivo é terminar esse governo, ouvindo as demandas da população… Tenho o compromisso de encontrar alternativas mais efetivas para esta gestão.


Uma provocação, tendo em vista o que ocorreu com a ex-presidente Dilma e Micher Temer: você pretende terminar esse mandato como vice ou como prefeito?
Quero terminar enquanto vice (risos). Desejo toda a saúde do mundo ao prefeito, que ele termine a gestão bem. É o que eu digo, quando você não está contente com uma gestão, não pode torcer contra. Espero que nos próximos 1 ano e 3 meses ele consiga fazer o que não fez até agora, mas vou continuar participando de um projeto de discussão de nossa cidade.


Você defendia a criação da Controladoria Geral do Município. Ela não avançou nessa gestão. Por que não foi implementada?
Essa foi uma das decepções que eu tive com esse governo. Talvez a maior bandeira que eu tinha era trabalhar pela moralidade, transparência. Tenho um projeto pronto de uma Controladoria… foi encaminhado para a Câmara, mas de maneira pro forma, o governo não deu um único passo, não fez uma única ligação para um vereador ou outro para prestigiar ao projeto.


Por quê?
Porque não era  do interesse dele implementar


E por que não era?
Não posso responder isso. Havia um discurso de que isso geraria gastos. Sempre fui contra, pois ter Controladoria não é gasto, é investimento. Acho que não houve vontade política. Agora veja bem você: imagine uma empresa privada com 8,5 mil funcionários não ter uma controladoria?


Você comentou que o prefeito não dá abertura para a Câmara e, nas suas palavras, o Legislativo às vezes é omisso com alguns temas. Qual a sua avaliação dessa Legislatura?
A Câmara teve uma boa renovação. Mas de nomes, não de mentalidades. Problemas sérios do passado parecem não ter acometido essa Legislatura, não se identifica na Câmara nenhum escândalo da natureza do passado da Operação Sevandija. Mas por outro lado não vi uma Câmara combativa, excetuando alguns vereadores, que fizesse o papel do parlamentar de fiscalizar efetivamente.


Foi sua estreia na política. Está arrependido? Se pudesse voltar três anos, teria se lançado candidato?
Se pudesse voltar, teria me lançado candidato a prefeito. Mas não posso me dizer arrependido de ter entrado na política, pois apesar dos sapos que engoli ao longo desse período, e muitos eu continuo engolindo, aprendi bastante. Tinha uma visão da administração pública enquanto integrante do Ministério Público, e agora é como se eu tivesse feito uma faculdade de gestão, apesar dos dissabores e do descontentamento com esse governo.


No espectro ideológico, onde você se localiza?
No centro. Eu não tenho nenhuma afinidade com extremos, seja à direita ou à esquerda. Gosto de propostas voltadas para a área social. Essa visão social é muito importante, precisamos prestigiar as pessoas mais humildes de nossa cidade.


O que é o ‘Todos por Ribeirão’? Vocês são um movimento de oposição ao Nogueira?
Esse grupo foi formado há dez meses. Eu participo dele há sete, oito meses. Me interessei porque tem pessoas inteligentes, dispostas a discutir Ribeirão Preto, com uma história bonita. Você ouve por todos os lados que não há ninguém em campanha… não existe isso. O prefeito está sempre em campanha.  Inclusive com a propaganda oficial. Não que ele tenha usado a propaganda oficial em benefício próprio, dolosamente, mas naturalmente beneficia o poder, a máquina. Voltando ao grupo [Todos Por Ribeirão]: ele não é ilegal, é legítimo, assim como outros grupos que debatem a cidade. O fato de se dizer de oposição significa que não está de acordo com o que vem acontecendo hoje, mas não significa que fará oposição sistemática ao prefeito.


Hoje é correto defini-lo como opositor ao prefeito?
No sentido de não concordar com muita coisa prometida e que não foi cumprida, principalmente promessa na saúde e na educação, me sinto na obrigação de fazer oposição porque não concordei com isso.  Fui eleito em função de um projeto, projeto que não ocorreu. Eu sou cobrado nas ruas por isso. Fico em uma posição difícil também, então até por honestidade tenho que colocar meu posicionamento de não concordância com o que é feito e deixou de ser feito neste governo.

Das 5.570 cidades brasileiras, apenas três não possuem um Plano Municipal de Educação (PME): Ribeirão Preto, Iaras e Vargem, todas paulistas. Sem o documento aprovado na forma de lei, algo obrigatório desde 2016, esses municípios são barrados para recursos milionários do Ministério da Educação (MEC).

O PME planeja as políticas públicas municipais para o ensino pelos próximos dez anos, estipulando gastos, indicadores, metas e ações. Ele é uma exigência do Plano Nacional de Educação, que vigora no país desde 2014.

Ribeirão Preto foi vanguarda ao iniciar suas discussões em 2007, mas as gestões Dárcy Vera (2009-2016) e Duarte Nogueira (2017-atual) foram incapazes de chegar a um consenso entre Executivo, Legislativo e sociedade. Assim, um PNE nunca chegou a ser transformado em lei, algo que outras 5.567 prefeituras tiveram êxito.

“Além de ser dever legal desde 2016, o PME é fundamental para dar um norte que vá além da visão imediatista do secretário ou prefeito de plantão. Sem planejamento de longo prazo, não há qualidade de gestão”, resume José Marcelino de Rezende Pinto, professor da USP-RP e ex-presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (leia entrevista no final da reportagem).

Barrado

Por não ter PME, Ribeirão Preto está proibido de pleitear recursos do PAR (Plano de Ações Articuladas), um programa do MEC para financiar, com verbas suplementares, ações de melhoria na educação. A informação foi confirmada ao Farolete pelo Governo Federal, por meio da Lei de Acesso à Informação.

No ano passado, o MEC repassou R$ 760 milhões para municípios brasileiros que cadastraram projetos no âmbito do PAR, sendo 60 do estado de São Paulo. A capital paulista recebeu R$ 3,5 milhões.

A minúscula Ubirajara, com menos de 5 mil habitantes, ficou com R$ 642 mil.

Os dados foram analisados pelo Farolete na plataforma de execução orçamentária do MEC. O Governo Federal informou, em resposta à Lei de Acesso, não ser possível estipular quanto Ribeirão Preto já deixou de receber, pois as verbas são definidas de acordo com os projetos cadastrados.

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