Contexto
Publicado em: 15/11/2023

Arborização é urgência em Ribeirão Preto, mas sequer aparece no orçamento da prefeitura

Prefeitura deve arrecadar R$ 4,9 bilhões em 2024, mas não reservou nenhum centavo para plantio de árvores

A prefeitura de Ribeirão Preto prevê arrecadar R$ 4,87 bilhões em 2024. Desse montante, nenhum centavo está reservado especificamente para arborização no projeto da Lei Orçamentária Anual (LOA). Não é uma novidade: será o décimo oitavo ano consecutivo, pelo menos, que o plantio de árvores não aparece no orçamento.

Estudos da própria prefeitura escancaram a urgente necessidade de investimentos. Mapeamento contratado pela Secretaria do Meio Ambiente apontou que regiões da cidade têm cobertura arbórea similares a de um “deserto”, sendo definidas como “ambiente insalubre”.

O relatório final do Inventário Amostral da Arborização de Acompanhamento Viário, divulgado no ano passado, trouxe dados alarmantes. Farolete fez um resumo dos principais:

1.

Há mais vazios arbóreos (espaços disponíveis nas calçadas para o plantio de árvores) do que árvores plantadas na cidade

2.

Apenas 12,7% do perímetro urbano é recoberto por vegetação de porte arbustivo ou arbóreo, segundo levantamento com imagens de satélite de outubro de 2021. Estudos internacionais apontam que o mínimo ideal para diminuição da temperatura é de 30%.

3.

A cobertura arbórea é desigual na cidade. Zona Sul é a mais verde (15,79%), seguida de Oeste (13,54%), Norte (11,39%), Leste (11,34%). O Centro tem apenas 3,58% de sua área arborizada.

4.

Dos 58 subsetores urbanos (divisões dentro das zonas, que agregam bairros próximos), apenas 3 possuem índice de cobertura vegetal superior a 30%: a região do Recreio das Acácias (44,7%) lidera.

5.

Por outro lado, 29 dos 58 subsetores urbanos possuem menos 10% de suas áreas cobertas por árvores. Na região da Vila Seixas, a cobertura é de míseros 3,83%.

6.

É necessário projetar as calçadas e priorizar o plantio de árvores maiores, com copa abrangente. Das 14 espécies mais encontradas pelo estudo na cidade, 7 são de pequeno porte ou “arbustos conduzidos para o formato de árvore”. Ou seja: têm menos impacto na regulação térmica.

7.

O estudo diz que “a condição dessas árvores/arbustos não é satisfatória, ou seja, não exerce a plenitude de suas funções ecológicas e paisagísticas, visto que recebem manejos inadequados, sobressaindo-se as podas mal executadas”.

O estudo da situação das calçadas não analisou Ribeirão Preto inteira, e sim amostras que representam 10% de seu sistema viário urbano. Foram inventariados 290,8 quilômetros lineares de calçadas e canteiros centrais de avenidas. A partir dessa análise, foram projetados os percentuais para cada região e subsetor.

Uma das principais constatações é que há mais vazios arbóreos (espaços disponíveis na calçada para o plantio) do que espécies plantadas. Na amostra analisada, foram inventariados 26.669 arbustos e árvores, uma média de 92 para cada quilômetro linear de calçada.

Por outro lado, o estudo localizou 28.811 vazios arbóreos, ou seja: 99 para cada quilômetro de calçada.

A região norte é a que possui o maior vazio arbóreo: há cerca de 11 mil espaços para o plantio.

O estudo apontou que, para plantar essas 28,8 mil árvores em espaços onde elas já seriam possíveis, a prefeitura gastaria apenas R$ 1,1 milhão, em valores de 2021.

Para efeito de comparação, apenas em setembro de 2023 – ou seja, um único mês – o governo Duarte Nogueira gastou R$ 1,2 milhões com publicidade e propaganda, sendo R$ 390 mil apenas com vídeos divulgados em emissoras de televisão.

Trecho do estudo

Considerando que o estudo analisou 10% de todo o sistema viário, para o preenchimento dos vazios arbóreos em toda a cidade seriam necessários cerca de R$ 11 milhões.

No âmbito desse estudo, foram realizados dois workshops com pesquisadores, servidores públicos e sociedade civil. Ao final, foi elaborada uma lista de ações prioritárias para a prefeitura. Entre elas, estão:

1.

Investimento de R$ 11 milhões em arborização urbana (considerando que o estudo analisou 10% de todo o sistema viário, e elencou R$ 1,1 milhão para o preenchimento dos vazios arbóreos nessa parcela)

2.

Árvore na calçada deve passar a ser uma infraestrutura pública obrigatória e necessária;

3.

Elaboração de um Plano Estratégico do Verde Urbano

4.

Melhorias da gestão da poda de árvores

Entrevista

Cofundadora e presidente do Instituto Ribeirão -3ºC, que atua com políticas públicas para aumento da arborização urbana, de modo a reduzir a temperatura de Ribeirão Preto, a assessora parlamentar Carla Roxo afirma que a cidade “está muito atrasada na pauta de resiliência climática urbana”.

“Pouquíssimo tem sido feito para minimizar os impactos das mudanças climáticas. Enquanto isso, sentimos na pele as ondas de calor e chuvas em maior intensidade. Falta política pública efetiva com ações eficazes. Não há planejamento direcionado, por exemplo, para arborização de ruas”, ela explica.

Segundo Carla, o Plano Municipal de Arborização Urbana e Áreas Verdes “está sendo enrolado pela prefeitura há muitos anos”, e diz que mesmo se concluído poderá não ser colocado em prática, já que “não há orçamento para infraestrutura verde”.

Nas discussões do PPA (Plano Plurianual, que planeja o uso do orçamento pelos próximos quatro anos), o Ribeirão -3ºC entregou uma carta, assinada por mais de dez organizações, pedindo investimentos para a pauta ambiental, mas a prefeitura não incorporou no documento.

As cidade globais que estão inovando, como Milão, Londres, Paris, Curitiba, estão correndo com políticas de infraestrutura verde, ou verde-azul, que é um conceito mais amplo, mas em Ribeirão estamos encaminhando a passos de tartaruga

Carla Roxo

Ela pontua que uma das poucas ações positivas nos últimos anos foi o compromisso assinado pela prefeitura com o verdejamento das escolas municipais, através da Secretaria de Educação, em parceria justamente com o Ribeirão -3ºC.

“É um início muito interessante, pensando as escolas como polos de resiliência climática. Mas é necessário ter continuidade. Essa ação deveria ser replicada em grande escala e em velocidade rápida”, diz.

Carla alerta que Ribeirão ainda realiza grandes obras – como as de mobilidade urbana – sem projetos de arborização e paisagismo do sistema viário, como nos corredores de ônibus da Av da Saudade, Dom Pedro, entre outros.

“Na rua Barão do Amazonas vai ser implementado um corredor de ônibus. Lá tem um super potencial de se tornar um boulevard. E nenhuma arborização foi pensada para o local. Com um calor de 40ºC, quem vai fazer compras ali? Acaba indo para o shopping”.

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Outro lado

Em nota, a prefeitura diz que desde a conclusão do Inventário Amostral da Arborização de Acompanhamento Viário (estudo citado nesta reportagem) tem atuado “para que as necessidades e recomendações sejam colocadas em prática”.

O governo diz que no período de 2021 a 2023 foram plantadas aproximadamente 48 mil mudas, através “do plantio voluntário efetuado por organizações locais e pela população ou em decorrência de Termos de compromisso”.

A prefeitura alega que está evoluindo com os trabalhos de elaboração do “Plano Estratégico do Sistema de Áreas Verdes e Arborização Urbana (PESAVAU)”. O documento, segundo o Executivo, estabelecerá prioridades e planejará os recursos necessários para a arborização da cidade.

“Nas etapas do cronograma, que ocorrerão no próximo ano, estão incluídas atividades voltadas para elaborar o Plano Diretor de Plantio, a Gestão e Manejo e a Elaboração do Plano de Ação, dentre outros”, diz a nota.

Ainda segundo o governo, há o planejamento de “alocar no orçamento de 2025 os recursos necessários para atender ao Plano de Arborização”.

A prefeitura diz que “nos anos de 2022 e 2023 foram destinados aproximadamente R$ 850 mil para manutenção da floresta urbana, englobando atividades de poda de formação ou condução e coleta de resíduos, serviços esses realizados pela Secretaria Municipal de Infraestrutura”.

Sobre os eventos climáticos extremos, governo diz que “está contratando empresa especializada para a elaboração do Plano de Ação à Mudanças Climáticas de Ribeirão Preto, denominado como “Plano Ribeirão pelo Clima””.

Esse estudo, diz a prefeitura, incluirá “minuta de lei específica para implementação da Política Municipal de Mudanças Climáticas”.

Foto de capa: instagram do projeto Arboreser.

Das 5.570 cidades brasileiras, apenas três não possuem um Plano Municipal de Educação (PME): Ribeirão Preto, Iaras e Vargem, todas paulistas. Sem o documento aprovado na forma de lei, algo obrigatório desde 2016, esses municípios são barrados para recursos milionários do Ministério da Educação (MEC).

O PME planeja as políticas públicas municipais para o ensino pelos próximos dez anos, estipulando gastos, indicadores, metas e ações. Ele é uma exigência do Plano Nacional de Educação, que vigora no país desde 2014.

Ribeirão Preto foi vanguarda ao iniciar suas discussões em 2007, mas as gestões Dárcy Vera (2009-2016) e Duarte Nogueira (2017-atual) foram incapazes de chegar a um consenso entre Executivo, Legislativo e sociedade. Assim, um PNE nunca chegou a ser transformado em lei, algo que outras 5.567 prefeituras tiveram êxito.

“Além de ser dever legal desde 2016, o PME é fundamental para dar um norte que vá além da visão imediatista do secretário ou prefeito de plantão. Sem planejamento de longo prazo, não há qualidade de gestão”, resume José Marcelino de Rezende Pinto, professor da USP-RP e ex-presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (leia entrevista no final da reportagem).

Barrado

Por não ter PME, Ribeirão Preto está proibido de pleitear recursos do PAR (Plano de Ações Articuladas), um programa do MEC para financiar, com verbas suplementares, ações de melhoria na educação. A informação foi confirmada ao Farolete pelo Governo Federal, por meio da Lei de Acesso à Informação.

No ano passado, o MEC repassou R$ 760 milhões para municípios brasileiros que cadastraram projetos no âmbito do PAR, sendo 60 do estado de São Paulo. A capital paulista recebeu R$ 3,5 milhões.

A minúscula Ubirajara, com menos de 5 mil habitantes, ficou com R$ 642 mil.

Os dados foram analisados pelo Farolete na plataforma de execução orçamentária do MEC. O Governo Federal informou, em resposta à Lei de Acesso, não ser possível estipular quanto Ribeirão Preto já deixou de receber, pois as verbas são definidas de acordo com os projetos cadastrados.

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