Covid
Publicado em: 06/04/2020

HC entrou na linha de frente da pandemia com menos recursos e funcionários

Reportagem: Cristiano Pavini

Em 26 de fevereiro de 2020, o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto foi anunciado pelo governo estadual como um dos polos de referência no tratamento de casos graves de Covid-19. Mas a entrada do HC na linha de frente contra a pandemia ocorreu em meio a um processo interno de sucateamento, com perda de recursos e funcionários.

O orçamento do HC para 2020 é aproximadamente R$ 20 milhões menor do que em 2019, corrigindo os valores pela inflação. O número de profissionais, dependendo da categoria, estava em fevereiro no patamar mais baixo dos últimos cinco anos.

Os dados são oficiais, obtidos pelo Farolete por meio da Lei de Acesso à Informação.

Somente com a certeza de colapso, ao acrescentar a pandemia como mais um ingrediente no cenário de desmonte, o governo estadual iniciou uma corrida para amenizar a situação.

Veja, abaixo, os recursos previstos  para o Hospital das Clínicas, segundo a lei Orçamentária do Governo Estadual de cada ano. Esse é a previsão base, que pode ser alterada (redução ou acréscimo) no decorrer dos meses, por decisão do governo. Os valores foram corrigidos pela inflação.

O orçamento inicial de 2020 é inferior ao de 2019, que por sua vez já era menor do que o de 2017 e 2015.


Para obter recursos contra a pandemia, funcionários do HC recorreram até a uma vaquinha online para a população doar recursos. A meta é arrecadar R$ 5 milhões para compras de equipamentos. Até a manhã do dia 6 de abril, 1097 pessoas doaram um montante de R$ 198 mil.


Déficit de funcionários

Ao longo dos últimos anos, o HC não repôs integralmente os profissionais aposentados ou que pediram demissão. O número de médicos em fevereiro de 2020, por exemplo, é o menor dos últimos cinco anos. O de técnicos de enfermagem está no menor patamar desde 2017.

O quantitativo considera a soma de funcionários concursados do HC e os vinculados à Faepa, fundação ligada ao Hospital que fornece profissionais mediante contratação própria.


Em fevereiro de 2020, o HC tinha 3.795 funcionários em atividades-fim do Hospital, 115 a menos do que em dezembro de 2018.

“Antes da pandemia já vivíamos um déficit de funcionários. Faltavam anestesistas, cirurgiões, profissionais de pós-operatório… A capacidade de cirurgia, por exemplo, diminuiu, em média, em 20% para todas as especialidades”, afirmou ao Farolete a médica Andreia Ardevino de Oliveira, presidente da Associação dos Médicos Assistentes do HC.

Segundo ela, a situação do hospital se agravou a partir de novembro de 2018.

Os dados oficiais de procedimentos cirúrgicos e internações, disponíveis no site do HC, mostra que 2019 teve os menores quantitativos desde 2015.

No ano passado, por exemplo, o HC realizou em média 72 cirurgias ao dia. Cinco anos atrás, eram 90 diárias.

Foram 6,5 mil cirurgias a menos em 2019 do que em 2015:


O tamanho do déficit de funcionários pode ser medido pela autorização do governo do Estado de São Paulo, publicada no Diário Oficial do dia 28 de março de 2020 (um mês e dois dias após o HC ser designado referência da Covid-19), de contratação de 378 funcionários para “preencher funções/atividades vagas”, conforme escrito no despacho.

Serão contratados, em caráter emergencial e temporário,  139 técnicos de enfermagem, 52 médicos, 47 enfermeiros, entre outros.

Para isso, podem ser abertos desde novos concursos públicos ou, então, chamamento de pessoas que foram aprovadas em concursos antigos, mas que não tinham sido chamadas para repor as vagas em aberto em razão de restrições orçamentárias.


Profissionais de saúde apontaram ao Farolete, porém, que o HC é um dos hospitais terciários (de especialidade) mais qualificados da América Latina, e que os recém-contratados precisam passar por intensa capacitação para chegarem ao “nível de excelência” exigido, superior ao de outras unidades de saúde, o que não ocorre de um dia para o outro.

Para poder focar esforços na Covid-19, o HC cancelou cirurgias e procedimentos eletivos (que não têm urgência) e remanejou profissionais e leitos para a pandemia.

O principal problema atual, no contexto da Covid-19, não é a falta de funcionários, já que a demanda ainda não explodiu, mas sim a ausência de EPI (equipamento de proteção individual).

“Estamos utilizando máscaras NR 95 ou PCS2 por até 30 dias, mediante procedimentos de higienização. Segundo a orientação do fabricante, elas deveriam ser de descarte imediato após o uso. Nosso estoque está insuficiente”, diz Andreia.

Em razão da pandemia, as máscaras se esgotaram no mercado e as unidades hospitalares consumiram seu estoque de meses em poucas semanas.  


Sucateamento

Para Ulysses Strogoff de Matos, médico infectologista do Hospital das Clínicas e presidente da regional de Ribeirão Preto do Sindicato dos Médicos do Estado de São Paulo (Simesp), a situação era crítica antes da pandemia.

“Vivíamos uma situação inaceitável, de desmonte da saúde pública, que já vinha de governos anteriores, com uma grande demanda reprimida”, aponta Ulysses.

Ele diz que a pandemia “mostrou como o sucateamento do serviço público está errado, pois não tem como a iniciativa privada absorver essa demanda”.

Segundo Ulysses, o HC possui alta rotatividade de funcionários. “Profissionais de várias categorias, em especial auxiliares de enfermagem, chegam a ter dois ou três empregos. É uma situação desgastante. Em razão da ausência de um plano de carreiras adequado, médicos entram muito novos no HC e, quando atingem o seu melhor potencial, pedem demissão em razão dos salários baixos, comparando com o mercado, ou pela situação de trabalho ruim”.

Consulta do Farolete no Portal de Transparência do Governo Estadual aponta que, em fevereiro de 2020, os médicos do HC tinham salário médio de R$ 11 mil. Os valores incluem remuneração bruta e vantagens, fixas ou eventuais (como plantões), sem considerar férias.

A remuneração média, porém, esconde diferenças: 102 médicos receberam mais de R$ 15 mil em fevereiro. Em contrapartida, 195 ganharam menos que R$ 8 mil.

Entre os auxiliares de enfermagem, a remuneração média é de R$ 3,3 mil. O montante considera apenas os profissionais estatutários do HC, e não os terceirizados via Faepa.

Ulysses alerta, agora, para o pós-pandemia.

“Não podemos voltar à situação em que estávamos. E toda a demanda reprimida que teremos, em especial dos procedimentos eletivos? Precisamos de mais investimentos do governo estadual. Teríamos que dobrar, triplicar nossa capacidade interna. Ou construir mais HCs na região”, defende.

A médica Andreia Ardevino de Oliveira, presidente da Associação dos Médicos Assistentes do HC, teme a ampliação das terceirizações. “Há o risco de que o governo subcontrate serviços, com empresas ou cooperativas tendo margens de lucro e pagamento menor aos profissionais, resultando em precarização dos serviços”.


Outro lado

Ao Farolete, a Secretaria Estadual de Saúde informou que “serão repostas 378 vagas com aproveitamento de remanescentes de concursos públicos e, se necessário, abertura de novos concursos até que se conclua o preenchimento das vagas”, segundo o chamamento publicado no Diário Oficial em 28 de março.

A nota aponta que “em 2019 o governo também autorizou 242 vagas para contratação de diversos profissionais, inclusive remanescentes de concursos públicos, porém, em virtude de desligamentos e da necessidade de reforço das equipes, novas tratativas foram realizadas, resultando na autorização para as vagas citadas”.

O governo estadual diz que reconhece o HC como “unidade de referência em assistência de alta complexidade no interior do Estado, além de atuar como hospital universitário, sendo centro formador de profissionais de Saúde, com profissionais e tecnologias de ponta”.

Não explicou, porém, o motivo da redução de funcionários e menor orçamento, nem garantiu que irá aumentar os recursos destinados ao hospital.

Questionado pelo Farolete entre terça-feira (31 de março) e sexta-feira (3 de abril), o Hospital das Clínicas não encaminhou resposta.


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Das 5.570 cidades brasileiras, apenas três não possuem um Plano Municipal de Educação (PME): Ribeirão Preto, Iaras e Vargem, todas paulistas. Sem o documento aprovado na forma de lei, algo obrigatório desde 2016, esses municípios são barrados para recursos milionários do Ministério da Educação (MEC).

O PME planeja as políticas públicas municipais para o ensino pelos próximos dez anos, estipulando gastos, indicadores, metas e ações. Ele é uma exigência do Plano Nacional de Educação, que vigora no país desde 2014.

Ribeirão Preto foi vanguarda ao iniciar suas discussões em 2007, mas as gestões Dárcy Vera (2009-2016) e Duarte Nogueira (2017-atual) foram incapazes de chegar a um consenso entre Executivo, Legislativo e sociedade. Assim, um PNE nunca chegou a ser transformado em lei, algo que outras 5.567 prefeituras tiveram êxito.

“Além de ser dever legal desde 2016, o PME é fundamental para dar um norte que vá além da visão imediatista do secretário ou prefeito de plantão. Sem planejamento de longo prazo, não há qualidade de gestão”, resume José Marcelino de Rezende Pinto, professor da USP-RP e ex-presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (leia entrevista no final da reportagem).

Barrado

Por não ter PME, Ribeirão Preto está proibido de pleitear recursos do PAR (Plano de Ações Articuladas), um programa do MEC para financiar, com verbas suplementares, ações de melhoria na educação. A informação foi confirmada ao Farolete pelo Governo Federal, por meio da Lei de Acesso à Informação.

No ano passado, o MEC repassou R$ 760 milhões para municípios brasileiros que cadastraram projetos no âmbito do PAR, sendo 60 do estado de São Paulo. A capital paulista recebeu R$ 3,5 milhões.

A minúscula Ubirajara, com menos de 5 mil habitantes, ficou com R$ 642 mil.

Os dados foram analisados pelo Farolete na plataforma de execução orçamentária do MEC. O Governo Federal informou, em resposta à Lei de Acesso, não ser possível estipular quanto Ribeirão Preto já deixou de receber, pois as verbas são definidas de acordo com os projetos cadastrados.

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