Sem o PME, obrigatório desde 2016, município é barrado para obter recursos milionários junto ao MEC
Das 5.570 cidades brasileiras, apenas três não possuem um Plano Municipal de Educação (PME): Ribeirão Preto, Iaras e Vargem, todas paulistas. Sem o documento aprovado na forma de lei, algo obrigatório desde 2016, esses municípios são barrados para recursos milionários do Ministério da Educação (MEC).
O PME planeja as políticas públicas municipais para o ensino pelos próximos dez anos, estipulando gastos, indicadores, metas e ações. Ele é uma exigência do Plano Nacional de Educação, que vigora no país desde 2014.
Ribeirão Preto foi vanguarda ao iniciar suas discussões em 2007, mas as gestões Dárcy Vera (2009-2016) e Duarte Nogueira (2017-atual) foram incapazes de chegar a um consenso entre Executivo, Legislativo e sociedade. Assim, um PNE nunca chegou a ser transformado em lei, algo que outras 5.567 prefeituras tiveram êxito.
“Além de ser dever legal desde 2016, o PME é fundamental para dar um norte que vá além da visão imediatista do secretário ou prefeito de plantão. Sem planejamento de longo prazo, não há qualidade de gestão”, resume José Marcelino de Rezende Pinto, professor da USP-RP e ex-presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (leia entrevista no final da reportagem).
Por não ter PME, Ribeirão Preto está proibido de pleitear recursos do PAR (Plano de Ações Articuladas), um programa do MEC para financiar, com verbas suplementares, ações de melhoria na educação. A informação foi confirmada ao Farolete pelo Governo Federal, por meio da Lei de Acesso à Informação.
No ano passado, o MEC repassou R$ 760 milhões para municípios brasileiros que cadastraram projetos no âmbito do PAR, sendo 60 do estado de São Paulo. A capital paulista recebeu R$ 3,5 milhões.
A minúscula Ubirajara, com menos de 5 mil habitantes, ficou com R$ 642 mil.
Os dados foram analisados pelo Farolete na plataforma de execução orçamentária do MEC. O Governo Federal informou, em resposta à Lei de Acesso, não ser possível estipular quanto Ribeirão Preto já deixou de receber, pois as verbas são definidas de acordo com os projetos cadastrados.
Segundo o MEC, apenas 19 municípios brasileiros não aderiram às ações da plataforma “+ PNE”, pela qual prefeituras pedem recursos suplementares. Ribeirão Preto é um deles. Na plataforma Simec (Sistema Integrado de Monitoramento Execução e Controle), apenas o trio paulista consta pendente de PME sancionado.
“Além de não ter metas e planejamento, impedindo que a sociedade fiscalize a evolução de políticas públicas, há também o impacto orçamentário por deixar de receber recursos”, critica Leonardo Sacramento, presidente da Aproferp (Associação dos Profissionais da Educação de Ribeirão Preto).
Em março de 2022, o governo Duarte Nogueira instituiu uma nova comissão organizadora do PME, que até a publicação dessa reportagem havia feito apenas uma reunião. A Secretaria de Educação informou que pretende finalizar a elaboração do documento em seis meses.
Em 2007 e 2008, Ribeirão Preto realizou uma série de audiências para a elaboração de seu PME, resultando inclusive na Primeira Conferência Municipal de Educação. O governo Welson Gasparini (PSDB), porém, não encaminhou o documento para o Legislativo.
Seis anos depois, em 2014, o Congresso Nacional aprovou o Plano Nacional de Educação, obrigando os municípios a elaborarem um PME até 2016. No ano seguinte a prefeitura organizou cinco novas audiências, tendo como base a proposta da década passada.
A versão encaminhada pelo governo Dárcy Vera à Câmara em março de 2016, porém, desagradou parte dos integrantes da sociedade, em razão de diversas mudanças realizadas em comparação com o documento aprovado na última audiência pública.
O documento retirou desde processos democráticos, como a eleição para diretores escolares, até metas ambiciosas, como zerar o déficit de vagas em creche em dez anos.
À época, a prefeitura informou que, para cumprir o PME, teria um gasto adicional de R$ 155 milhões ao ano, impraticável para os cofres públicos.
Com a Operação Sevandija, o PME não foi adiante na gestão Dárcy e sequer foi votado no Legislativo. Dois anos depois, já com Nogueira prefeito, ele foi reencaminhado à Câmara, porém com mais modificações em relação à proposta anterior, praticamente excluindo qualquer obrigatoriedade da prefeitura.
Cálculo da Secretaria da Fazenda realizado em 2018 apontou que, para cumprir o PME elaborado em 2015, seria necessário gastar R$ 914 milhões em quatro anos, algo impossível.
Esse novo PME foi enviado à Câmara sem o aval do Conselho Municipal de Educação. Em 2019, após pressão de setores da sociedade, inclusive da subseção de Ribeirão Preto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o projeto foi arquivado.
Em 2020 e 2021 o governo Duarte Nogueira não realizou nenhuma reunião pública para tratar do PME.
A Secretaria Municipal de Educação afirmou ao Farolete que “uma equipe técnica retomou a discussão do PME no ano passado, organizando os dados”, e que no dia 4 de abril ocorreu uma “reunião preliminar” para a apresentação da equipe coordenadora da elaboração da nova proposta.
Questionado sobre qual seria o período abarcado pelo PME de Ribeirão, em razão de seu atraso de pelo menos seis anos em relação aos demais municípios, a Educação informou que ele será decenal.
“Ainda que os atuais planos Estadual e Nacional sejam findados, o PME continuará em vigor. O fato ser flexível e dotado de autonomia fará com que possa ser revisado sempre que necessário”, informou a assessoria de imprensa da pasta.
O governo Duarte Nogueira não respondeu, ao Farolete, sobre os motivos que o fizeram não conseguir aprovar um PME em seus cinco primeiros anos de mandato.
Professor na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Jose Marcelino participa dos debates do PME de Ribeirão Preto desde 2007. Confira, abaixo, suas respostas a três questionamentos enviados pelo Farolete:
Quais os prejuízos para os estudantes por Ribeirão Preto não ter um PME?
O PME, além de ser dever legal desde 2016, é fundamental para dar um norte para a educação do município que vá além da visão imediatista do secretário ou prefeito de plantão. Ele define o que deve ser assegurado a todos os alunos da rede, as áreas que devem ser ampliadas, as prioridades considerando o período de uma década. Sem planejamento de longo prazo, não há qualidade de gestão.
Quais os fatores levaram a, em 2022, Ribeirão Preto não ter um PME?
É lamentável que uma cidade que já em 2008, através da mobilização do Conselho Municipal de Educação junto com o então Secretário José Norberto Callegari, aprovou um PME em Plenária Municipal em processo que começou nos Conselhos de Escola e envolveu mais de 2 mil participantes, até hoje não ter um PME. Na época Gasparini não enviou o projeto à Câmara. Posteriormente, na gestão Darcy, o CME retomou o projeto de 2008 e em processo também participativo atualizou a proposta que, ao final, foi enviada para Câmara. Quando Nogueira assumiu retirou a proposta. Ele talvez seja o pior Prefeito para a Educação na história da nossa cidade. Trocando secretários, se negando ao debate democrático e colocando na secretaria um burocrata que não entende nada de educação e menos ainda de processos participativos.
O que um PME de qualidade deve ter?
Mais importante que o produto final é o processo. Ele deve começar nas escolas, sem interferência de diretores indicados e com medo de perder o cargo; com plenárias temáticas (considerando todas as etapas de ensino e não apenas aquelas oferecidas pela rede municipal, pois é um plano da cidade; não da rede municipal); deve ter delegados eleitos e culminar em uma Plenária Geral deliberativa, como foi feito em 2008 e retomado em 2015.
Das 5.570 cidades brasileiras, apenas três não possuem um Plano Municipal de Educação (PME): Ribeirão Preto, Iaras e Vargem, todas paulistas. Sem o documento aprovado na forma de lei, algo obrigatório desde 2016, esses municípios são barrados para recursos milionários do Ministério da Educação (MEC).
O PME planeja as políticas públicas municipais para o ensino pelos próximos dez anos, estipulando gastos, indicadores, metas e ações. Ele é uma exigência do Plano Nacional de Educação, que vigora no país desde 2014.
Ribeirão Preto foi vanguarda ao iniciar suas discussões em 2007, mas as gestões Dárcy Vera (2009-2016) e Duarte Nogueira (2017-atual) foram incapazes de chegar a um consenso entre Executivo, Legislativo e sociedade. Assim, um PNE nunca chegou a ser transformado em lei, algo que outras 5.567 prefeituras tiveram êxito.
“Além de ser dever legal desde 2016, o PME é fundamental para dar um norte que vá além da visão imediatista do secretário ou prefeito de plantão. Sem planejamento de longo prazo, não há qualidade de gestão”, resume José Marcelino de Rezende Pinto, professor da USP-RP e ex-presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (leia entrevista no final da reportagem).
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