Empresa do assessor pessoal de Nogueira recebeu R$ 2,3 milhões em contrato da prefeitura
Uma empresa de Ary Engracia cuida das redes sociais do prefeito, a outra é sucontratada para publicidade da prefeitura
Os sócios da empresa responsável pelas redes sociais do prefeito Duarte Nogueira (PSDB) receberam, entre 2020 e 2023, ao menos R$ 2,3 milhões provenientes dos cofres públicos ribeirão-pretanos.
Eles foram subcontratados pela VersãoBR para execução de serviços de publicidade no âmbito do contrato com a prefeitura. Essas subcontratações ocorrem com a ciência do governo, sem os rigores da lei de licitações e com pouca transparência.
No centro desta história está o empresário Ary Engracia Garcia Neto. Ele é responsável pelas redes sociais de Nogueira há quase uma década. Sua esposa atua em um cargo comissionado no gabinete do prefeito, com salário de R$ 10 mil.
Farolete já abordou as relações de Ary com a VersãoBR em reportagem publicada em 2021. Voltamos a investigar esse tema e revelamos novos fatos de interesse público.
Relações
Ary cuida da imagem do prefeito por meio de sua empresa Prompt Comunicação. É ela quem movimenta as redes sociais particulares de Nogueira, inclusive vídeos feitos por drones para mostrar imponentes inaugurações de obras.
A websérie intitulada “Nogueira – Reconstruindo o Futuro”, em que o prefeito comemora os feitos de sua gestão, também tem participação de Ary.
A produção é de primeira qualidade, gravada em 4K, com cuidados na iluminação, sonorização, captação de imagem e maquiagem, além de edição que contempla os diferentes formatos das redes sociais.
Farolete consultou três pessoas que tabalham no ramo. Eles explicaram ser difícil mensurar os custos, pois depende do tamanho de equipe envolvida e horas dedicadas na ilha de edição. O orçamento mais conservador foi de R$ 30 mil cada episódio, mas podendo chegar ao triplo.
Até a publicação desta reportagem, oito episódios haviam sido publicados.
Questionado pelo Farolete por meio da assessoria da prefeitura, Nogueira não respondeu quanto custa os serviços da Prompt, tampouco se paga do próprio bolso ou se recorre a outros meios.
Ary é sócio de San Devid Silveira na Prompt. Ambos declararam, em balanço registrado na Junta Comercial, que em 2022 a empresa teve receita bruta de R$ 2,3 milhões e R$ 947 mil de lucro líquido.
Embora tenha apenas um terço da participação societária, Ary ficou com a metade dos lucros distribuídos naquele ano.
A dupla tem outras fontes de renda. Em janeiro de 2018, três meses após constituírem a Prompt, eles registraram a Pleno Comunicação. Apesar de atuar na área de marketing, essa empresa não tem site, tampouco página ativa nas redes sociais.
Mesmo assim, a empresa tem faturamento expressivo custeado pelos cofres ribeirão-pretanos.
Dez semanas após ser oficialmente constituída, a Pleno Comunicação foi subcontratada pela VersãoBR para realizar serviços de captação de imagens no âmbito do contrato de publicidade da prefeitura.
Apenas entre o segundo semestre de 2019 a janeiro de 2024, a VersãoBR emitiu ao menos 386 notas fiscais relativas a pagamentos para a Pleno. Elas somam R$ 2.296.550,00.
Nenhum desses valores é detalhado em Diário Oficial ou na relação de empenhos da prefeitura.
Para consolidar o montante, Farolete contratou uma profissional de programação, que desenvolveu um robô para realizar o download e extração de dados de 3,2 mil notas fiscais do Portal de Transparência da Prefeitura (leia mais abaixo). O governo se negou a repassar os arquivos por meio da Lei de Acesso à Informação.
O Portal de Transparência não traz as notas fiscais anteriores ao segundo semestre de 2019, então não é possível precisar quanto a Pleno recebeu nos meses anteriores. Em 2018, conforme Farolete revelou na reportagem de 2021, a Pleno recebeu ao menos R$ 171 mil da VersãoBR.
Apesar de estar enquadrada como MicroeEmpresa, regime que permite faturamento de até R$ 360 mil ao ano, a Pleno recebeu R$ 892 mil apenas em 2023 no âmbito do contrato da prefeitura.
Conflito de interesse?
A prefeitura foi questionada pelo Farolete sobre quais são as normas legais e infralegais que tratam de conflito de interesses na administração municipal, e também se há impedimento legal para que os sócios de uma empresa que presta indiretamente serviços ao poder público também atuem para integrantes do governo.
O governo não respondeu.
Governo tem ciência
O alto escalão da prefeitura tem ciência de que Ary Engracia presta serviços para Duarte Nogueira e, indiretamente, para o governo.
A Lei Federal nº 12.232/2010, que estabelece normas para contratações de agências de publicidade pela administração pública, exige que subcontratações equivalentes a pelo menos 0,5% do contrato global devem ser realizadas em sessão pública.
Ao subcontratar os serviços de captação de imagens pela primeira vez, a Versão BR buscou três orçamentos. Entre eles estava justamente o da Pleno, empresa fundada dez semanas antes e sem qualquer experiência.
Em uma sessão realizada em 23 de março de 2018 no Palácio Rio Branco presidida por Antonio Daas Abboud, atual secretário de Governo e homem-forte de Nogueira, envelopes em tese lacrados foram abertos. A Pleno ofereceu o menor preço, respectivamente 10% e 31% menor do que a segunda e terceira colocadas.
Outras relações
A Prompt também prestou serviços na campanha da ex primeira-dama Samanta Pineda para deputada federal em 2018, ao custo declarado de R$ 29,5 mil.
O sócio de Ary na Prompt e na Pleno, San Devid, também é dono de uma produtora audiovisual, a “Centopeia Filmes”. Ela foi contratada para fazer a campanha de reeleição de Nogueira em 2020. Sediada no Maranhão, recebeu R$ 2,2 milhões – equivalente a 61% de todos os gastos do tucano.
O que diz Ary Engracia
Questionado pelo Farolete, Ary Engracia afirmou que a Prompt e a Pleno, embora da propriedade das mesmas pessoas, são empresas distintas, com equipes e clientes próprios.
Segundo ele, a Pleno atua com produção de filmes para publicidade. Já a Prompt atua de forma global como agência de publicidade, com clientes “dentro e fora de Ribeirão Preto”.
Ele não respondeu sobre o motivo da Pleno não possuir site próprio para divulgação de seus serviços, e não se posicionou sobre o fato do faturamento ser superior ao limite de uma microempresa.
Sobre a websérie de Nogueira, ele afirmou ser um “trabalho autoral” de sua equipe de criação.
O que diz Nogueira
Nenhum questionamento direcionado ao prefeito, por meio da assessoria de imprensa, foi respondido. Farolete questionou:
- Qual o valor gasto mensalmente com Ary Engracia (Prompt)
- Quem custeia essas despesas?
- Se material produzido pela Pleno, no âmbito do contrato com a VersãoBR custeado pela prefeitura, é utilizado pela Prompt nas redes sociais do prefeito?
- O motivo de Ary Engracia ou Prompt não terem sido declarados na campanha eleitoral de 2020, e se os serviços de ambos estão englobados nas despesas com a Centopeias Filmes (de propriedade do sócio de Ary)
O que diz a prefeitura
O governo afirma que segue integralmente a Lei Federal 12.232/2010 na contratação e execução de serviços de publicidade, e que há garantias de “igualdade de oportunidades para todos os fornecedores interessados em se tornar prestadores de serviços da agência de publicidade licitada pela prefeitura”, escolhidos por critérios de “preço e qualidade, por meio de sessão pública”.
Diz, ainda, que disponibiliza “o portal de controle de gastos de publicidade”, permitindo “que os cidadãos tenham acesso às informações sobre os gastos com publicidade realizados pela prefeitura” e “garantindo que cada contrato seja conduzido de forma ética e responsável”.
O referido portal, denominado Publicidade Transparente, traz apenas a relação nominal de veículos contratados para inserção publicitária e de empresas subcontratadas pela VersãoBR, mas não informa os valores pagos a cada um.
Série
Essa é a terceira reportagem da nova série investigativa do Farolete sobre os gastos da prefeitura com publicidade.
Revelamos que, novamente, Nogueira turbinou os gastos com publicidade em ano pré-eleitoral, e que de 2017 a 2023 a VersãoBR já recebeu R$ 42,9 milhões.
Descobrimos, também, que a prefeitura gastou R$ 187 mil em um único anúncio na Lide, revista do ex-governador João Dória.
Como fizemos essa reportagem
A prefeitura de Ribeirão Preto tem o portal Publicidade Transparente, com resumo de gastos com propaganda, mas sem informar qual o valor e serviço de cada fornecedor subcontratado pela VersãoBR. Essas subcontratações não são informadas nos empenhos e pagamentos à agência. Mas aparecem nas notas fiscais emitidas em decorrência do contrato com o município.
O portal de transparência da prefeitura tem um módulo de consulta de notas fiscais. Entretanto, não é possível baixar um conjunto de documentos ou extrair relatório detalhado dos mesmos. Para analisar as 3,2 mil notas fiscais da VersãoBR, seria necessário fazer o download uma a uma, individualmente.
Farolete requisitou, pela Lei de Acesso à Informação, o conjunto de todas as notas fiscais emitidas pela VersãoBR. O governo Nogueira, em decisões assinadas pelo secretário de administração, se negou a repassar, alegando que a informação já estava disponível na internet.
Como a prefeitura se negou a repassar o conjunto de notas fiscais, Farolete contratou a desenvolvedora de software Joellen Silva, que desenvolveu um robô para realizar o download automatizado das 3,2 mil notas fiscais e extrair o conteúdo das mesmas
Farolete está investigando outros gastos da VersaoBR para essa série de reportagens, utilizando ferramentas como o Pinpoint, do Google, para sistematizar os arquivos e facilitar as buscas.
Das 5.570 cidades brasileiras, apenas três não possuem um Plano Municipal de Educação (PME): Ribeirão Preto, Iaras e Vargem, todas paulistas. Sem o documento aprovado na forma de lei, algo obrigatório desde 2016, esses municípios são barrados para recursos milionários do Ministério da Educação (MEC).
O PME planeja as políticas públicas municipais para o ensino pelos próximos dez anos, estipulando gastos, indicadores, metas e ações. Ele é uma exigência do Plano Nacional de Educação, que vigora no país desde 2014.
Ribeirão Preto foi vanguarda ao iniciar suas discussões em 2007, mas as gestões Dárcy Vera (2009-2016) e Duarte Nogueira (2017-atual) foram incapazes de chegar a um consenso entre Executivo, Legislativo e sociedade. Assim, um PNE nunca chegou a ser transformado em lei, algo que outras 5.567 prefeituras tiveram êxito.
“Além de ser dever legal desde 2016, o PME é fundamental para dar um norte que vá além da visão imediatista do secretário ou prefeito de plantão. Sem planejamento de longo prazo, não há qualidade de gestão”, resume José Marcelino de Rezende Pinto, professor da USP-RP e ex-presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (leia entrevista no final da reportagem).
Barrado
Por não ter PME, Ribeirão Preto está proibido de pleitear recursos do PAR (Plano de Ações Articuladas), um programa do MEC para financiar, com verbas suplementares, ações de melhoria na educação. A informação foi confirmada ao Farolete pelo Governo Federal, por meio da Lei de Acesso à Informação.
No ano passado, o MEC repassou R$ 760 milhões para municípios brasileiros que cadastraram projetos no âmbito do PAR, sendo 60 do estado de São Paulo. A capital paulista recebeu R$ 3,5 milhões.
A minúscula Ubirajara, com menos de 5 mil habitantes, ficou com R$ 642 mil.
Os dados foram analisados pelo Farolete na plataforma de execução orçamentária do MEC. O Governo Federal informou, em resposta à Lei de Acesso, não ser possível estipular quanto Ribeirão Preto já deixou de receber, pois as verbas são definidas de acordo com os projetos cadastrados.
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