Prefeitura de RP pagou R$ 187 mil por um único anúncio na revista de João Doria
Publicidade foi veiculada na edição de agosto de 2023 da revista Lide
A prefeitura de Ribeirão Preto, por meio do contrato de publicidade com a empresa VersãoBR, gastou R$ 187,5 mil para veicular um único anúncio na revista Lide, de propriedade de João Doria, ex-governador de São Paulo e ex-correligionário do prefeito Duarte Nogueira no PSDB.
O anúncio de duas páginas foi publicado na edição de agosto de 2023 da Lide, revista que tem empresários como público-alvo. A Doria Editora recebeu R$ 150 mil pela veiculação. Outros R$ 37,5 mil ficaram com a Versão BR a título de “comissão” pela intermediação.
Apuração conjunta do Farolete e do portal SP016 revela que esse anúncio representa o nono maior valor entre todas as 3,2 mil notas fiscais emitidas pela VersãoBR desde junho de 2019 para publicidade da prefeitura.
Essa nota fiscal para a Doria Editora equivale à somatória de todos os 35 documentos fiscais emitidos nos últimos quatro anos pela VersãoBR para anúncios na MIC Editorial, empresa responsável pela Revide.
Para efeito de comparação, os anúncios da prefeitura na tradicional revista ribeirão-pretana custaram entre R$ 1,2 mil e R$ 12 mil, dependendo da campanha e da abrangência da veiculação.
Apuração
A gestão Duarte Nogueira já pagou R$ 42,9 milhões para a VersãoBR de 2017 a 2023, conforme mostrou Farolete no início do mês.
O valor que a agência repassa a fornecedores subcontratados ou veículos de comunicação não são informados, diretamente, no portal de transparência da prefeitura, constando apenas individualmente nas notas fiscais.
Para investigar essas subcontratações da VersãoBR, Farolete criou um robô, que fez o download no Portal de Transparência de cada nota fiscal e extraiu seu conteúdo. Os documentos fiscais relativos a 2017 e 2018 e ao primeiro semestre de 2019 não estão disponíveis no site da prefeitura, apenas de julho daquele ano em diante.
Considerando o valor individual de cada nota fiscal para anúncios, a publicidade na Doria Editora perde apenas para pagamentos da VersãoBR à EPTV no período analisado. A emissora chegou a receber R$ 230 mil em um único comprovante fiscal.
Entretanto, cada contrato com a afiliada da Rede Globo envolve dezenas de inserções ao longo de sua grade de programação, inclusive nos horários nobres, em diversos dias. Já na revista de João Doria, um anúncio solitário custou R$ 150 mil apenas como custo de veiculação, sem considerar a produção da arte.
O valor dessa propaganda inserida na Lide foi equivalente a todas as despesas do Fundo Pro-Esporte Amador em 2023, um progama da prefeitura que auxilia esportistas, como no projeto “Adote um Atleta”. Essa política pública teve R$ 158 mil investidos ao longo de todo o ano passado.
Outros governos
A prefeitura de Ribeirão Preto não foi a única que anunciou na Lide na edição de agosto de 2023.
Além do anúncio ribeirão-pretano, a revista de João Doria veiculou também propagandas dos governos do Acre, Amazonas, Goiás e Sergipe, e das prefeituras do Rio de Janeiro, Barueri, Curitiba, Jundiaí e Jaguariúna.
Por meio do formulário de contato destinado à imprensa, Farolete questionou a Lide se o valor pago pelo anúncio da prefeitura de Ribeirão era tabelado ou negociado individualmente, mas não obteve resposta até a publicação dessa reportagem.
João Doria se desfilou do PSDB em 2022, após 22 anos no partido. Quando o anúncio da prefeitura foi publicado na Lide, portanto, ele já não era mais correlegionário do prefeito Duarte Nogueira.
O que diz a prefeitura
Questionada pelo Farolete, a prefeitura de Ribeirão justificou que “a escolha da revista [Lide] como veículo para o anúncio foi baseada em critérios estratégicos de alcance do público-alvo e relevância da plataforma”.
Segundo o governo, “os valores declarados para o anúncio na revista foram estabelecidos com base em análises de mercado, levando em consideração as tarifas praticadas pelo veículo de comunicação, os custos de produção e veiculação”.
A nota do Executivo afirma que “as notas fiscais emitidas pela VersãoBR são decorrentes de contratos vigentes e estão em conformidade com as diretrizes estabelecidas para a comunicação institucional”, como forma de promover a transparência e o “cumprimento das normativas legais relacionadas à divulgação de informações públicas”.
A prefeitura afirma que está “à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais sobre os gastos com propaganda”, ressaltando que ocorrem observando os princípios da legalidade e eficiência.
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Como fizemos essa reportagem
A prefeitura de Ribeirão Preto tem o portal Publicidade Transparente, com resumo de gastos com propaganda, mas sem informar qual o valor e serviço de cada fornecedor subcontratado pela VersãoBR. Essas subcontratações não são informadas nos empenhos e pagamentos à agência. Mas aparecem nas notas fiscais emitidas em decorrência do contrato com o município.
O portal de transparência da prefeitura tem um módulo de consulta de notas fiscais. Entretanto, não é possível baixar um conjunto de documentos ou extrair relatório detalhado dos mesmos. Para analisar as 3,2 mil notas fiscais da VersãoBR, seria necessário fazer o download uma a uma, individualmente.
Farolete requisitou, pela Lei de Acesso à Informação, o conjunto de todas as notas fiscais emitidas pela VersãoBR. O governo Nogueira, em decisões assinadas pelo secretário de administração, se negou a repassar, alegando que a informação já estava disponível na internet.
Como a prefeitura se negou a repassar o conjunto de notas fiscais, Farolete contratou a desenvolvedora de software Joellen Silva, que desenvolveu um robô para realizar o download automatizado das 3,2 mil notas fiscais e extrair o conteúdo das mesmas
Para esta reportagem, nosso jornalismo juntou esforços com o portal SP016, que também estava analisando os gastos de publicidade da prefeitura de Ribeirão Preto.
Farolete está investigando outros gastos da VersaoBR para essa série de reportagens, utilizando ferramentas como o Pinpoint, do Google, para sistematizar os arquivos e facilitar as buscas.
Das 5.570 cidades brasileiras, apenas três não possuem um Plano Municipal de Educação (PME): Ribeirão Preto, Iaras e Vargem, todas paulistas. Sem o documento aprovado na forma de lei, algo obrigatório desde 2016, esses municípios são barrados para recursos milionários do Ministério da Educação (MEC).
O PME planeja as políticas públicas municipais para o ensino pelos próximos dez anos, estipulando gastos, indicadores, metas e ações. Ele é uma exigência do Plano Nacional de Educação, que vigora no país desde 2014.
Ribeirão Preto foi vanguarda ao iniciar suas discussões em 2007, mas as gestões Dárcy Vera (2009-2016) e Duarte Nogueira (2017-atual) foram incapazes de chegar a um consenso entre Executivo, Legislativo e sociedade. Assim, um PNE nunca chegou a ser transformado em lei, algo que outras 5.567 prefeituras tiveram êxito.
“Além de ser dever legal desde 2016, o PME é fundamental para dar um norte que vá além da visão imediatista do secretário ou prefeito de plantão. Sem planejamento de longo prazo, não há qualidade de gestão”, resume José Marcelino de Rezende Pinto, professor da USP-RP e ex-presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (leia entrevista no final da reportagem).
Barrado
Por não ter PME, Ribeirão Preto está proibido de pleitear recursos do PAR (Plano de Ações Articuladas), um programa do MEC para financiar, com verbas suplementares, ações de melhoria na educação. A informação foi confirmada ao Farolete pelo Governo Federal, por meio da Lei de Acesso à Informação.
No ano passado, o MEC repassou R$ 760 milhões para municípios brasileiros que cadastraram projetos no âmbito do PAR, sendo 60 do estado de São Paulo. A capital paulista recebeu R$ 3,5 milhões.
A minúscula Ubirajara, com menos de 5 mil habitantes, ficou com R$ 642 mil.
Os dados foram analisados pelo Farolete na plataforma de execução orçamentária do MEC. O Governo Federal informou, em resposta à Lei de Acesso, não ser possível estipular quanto Ribeirão Preto já deixou de receber, pois as verbas são definidas de acordo com os projetos cadastrados.
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