Cícero Gomes visita escolas municipais mirando eleição para Câmara, MP investiga
Ex-vereador, condenado a 14 anos de prisão em primeira instância, comandou a educação de Ribeirão Preto por quatro décadas
O ex-vereador Cícero Gomes (76), condenado a 14 anos de prisão em primeira instância no âmbito da Operação Sevandija, tem visitado escolas municipais de olho nas eleições deste ano. Ele e outros réus tentam se viabilizar para retornarem à Câmara de Ribeirão Preto.
Em quatro décadas de vereança, até ser afastado no mandato em 2016 pela Sevandija, Cícero comandou a educação, tendo inclusive mais poder do que os secretários municipais. Ele escolhia desde os diretores das escolas aos comissionados de alto escalão. Mesmo oito anos após a operação policial, ele mantém influência no setor.
As visitas de Cícero nas escolas ocorreram sem o aval do governo Duarte Nogueira e geraram desconforto na cúpula da Secretaria de Educação, conforme apuração do Farolete.
O GEDUC (Grupo de Atuação Especial de Educação) do Ministério Público (MP) abriu um procedimento de investigação.
Farolete apurou que o promotor de Justiça Naul Felca já ouviu três diretores de escolas distintas, que confirmaram as visitas de Cìcero. Um deles mencionou que o ex-vereador abordou, diretamente, promessas eleitorais de valorização de carreiras.
A nota oficial da prefeitura ao Farolete afirma que Cícero ficou apenas na porta de entrada das unidades, mas funcionários relataram ao MP que ele ingressou nas dependências da escola.
“Ele percorreu toda a escola, abordando professores e funcionários”, afirmou uma professora, em denúncia anônima enviada à promotoria que originou a investigação.
“Minha diretora, que recentemente assumiu a escola, disse que entre outras coisas, ele garantiu que ajudaria com a questão do salário desses novos gestores, que hoje é considerado muito baixo”, afirmou a funcionária na denúncia.
O promotor Naul Felca está investigando visitas de Cícero em ao menos sete unidades escolares ocorridas nas últimas semanas.
Na terça-feira passada (9/4), Naul exigiu esclarecimentos da Secretaria de Educação sobre quais providências estão sendo adotadas para impedir as visitas e responsabilizar quem autorizou as entradas.
O promotor também expediu comunicados à Justiça Eleitoral e Ministério Público Eleitoral, em razão de possível campanha antecipada, ao Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) e à promotoria de infância e juventude.
Naul determinou, com urgência, a oitiva de todos os gestores escolares das unidades que Cícero teria visitado. Três já foram ouvidos, e os quatro restantes devem prestar depoimento essa semana.
No procedimento instaurado, o promotor aponta para a necessidade de se apurar, “sob o viés educacional, as circunstâncias de eventual autorização e/ou o ingresso indevido, no interior e dependências das unidades de ensino públicas, de pessoa estranha aos quadros escolares para propósitos não pedagógicos”.
O que diz a prefeitura
Em nota enviada ao Farolete, a Secretaria Municipal da Educação afirmou que “no final do mês de março, alguns gestores entraram em contato para informar a presença do Sr. Cícero Gomes nas portas de entrada das unidades escolares”, e que “em todas as ocasiões, a equipe da pasta orientou que ele não fosse autorizado a entrar”.
A secretaria ressaltou “que a entrada de terceiros em unidades escolares da rede municipal sem autorização prévia é proibida”, e que “em nenhum momento houve a solicitação por parte do Sr. Cícero Gomes para entrar nas escolas”.
A pasta afirmou que reiterou a proibição da entrada de pessoas sem autorização em comunicado enviado às escolas na semana passada, após ser provocada pelo MP.
O que diz Cícero
A reportagem enviou e-mail para a advogada Tatiana Stocco, responsável pela defesa de Cícero no âmbito da Sevandija, às 16h30 de terça-feira (16/4), mas não obteve resposta. Não foi possível contatar o ex-vereador. O espaço está aberto para atualizações.
Cícero voltou a ser ativo nas redes sociais, compartilhando mensagens religiosas e textos relacionados à educação.
Ele foi condenado em primeira instância pelo esquema dos terceirizados na Atmosphera, no âmbito da operação Sevandija, acusado de integrar uma organização criminosa que atuava em contratos fraudulentos, bancados com dinheiro público, que serviam para apadrinhar indicados por vereadores em troca de apoio político à prefeita Dárcy Vera.
Também foi condenado em primeira instância na Justiça Eleitoral, mas o Tribunal Regional Eleitoral arquivou o processo.
A Sevandija teve uma série de derrotas no Superior Tribunal de Justiça, que anulou as interceptações telefônicas no final de 2022, o que significa na prática a extinção da operação. Todos os processos judiciais estão paralisados desde então.
Na última terça-feira (15), o ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal, acatou o recurso do MP e validou as interceptações novamente. A decisão é monocrática, então ainda precisa ser analisada pelos pares.
Em razão desse contexto, não há atualmente nenhum impeditivo legal que impeça Cícero de concorrer para vereador.
Das 5.570 cidades brasileiras, apenas três não possuem um Plano Municipal de Educação (PME): Ribeirão Preto, Iaras e Vargem, todas paulistas. Sem o documento aprovado na forma de lei, algo obrigatório desde 2016, esses municípios são barrados para recursos milionários do Ministério da Educação (MEC).
O PME planeja as políticas públicas municipais para o ensino pelos próximos dez anos, estipulando gastos, indicadores, metas e ações. Ele é uma exigência do Plano Nacional de Educação, que vigora no país desde 2014.
Ribeirão Preto foi vanguarda ao iniciar suas discussões em 2007, mas as gestões Dárcy Vera (2009-2016) e Duarte Nogueira (2017-atual) foram incapazes de chegar a um consenso entre Executivo, Legislativo e sociedade. Assim, um PNE nunca chegou a ser transformado em lei, algo que outras 5.567 prefeituras tiveram êxito.
“Além de ser dever legal desde 2016, o PME é fundamental para dar um norte que vá além da visão imediatista do secretário ou prefeito de plantão. Sem planejamento de longo prazo, não há qualidade de gestão”, resume José Marcelino de Rezende Pinto, professor da USP-RP e ex-presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (leia entrevista no final da reportagem).
Barrado
Por não ter PME, Ribeirão Preto está proibido de pleitear recursos do PAR (Plano de Ações Articuladas), um programa do MEC para financiar, com verbas suplementares, ações de melhoria na educação. A informação foi confirmada ao Farolete pelo Governo Federal, por meio da Lei de Acesso à Informação.
No ano passado, o MEC repassou R$ 760 milhões para municípios brasileiros que cadastraram projetos no âmbito do PAR, sendo 60 do estado de São Paulo. A capital paulista recebeu R$ 3,5 milhões.
A minúscula Ubirajara, com menos de 5 mil habitantes, ficou com R$ 642 mil.
Os dados foram analisados pelo Farolete na plataforma de execução orçamentária do MEC. O Governo Federal informou, em resposta à Lei de Acesso, não ser possível estipular quanto Ribeirão Preto já deixou de receber, pois as verbas são definidas de acordo com os projetos cadastrados.
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