Propostas orçamentárias foram expostas sem margem para discussão com a sociedade
O governo Duarte Nogueira descumpriu obrigatoriedades legais e substituiu as audiências públicas do PPA (Plano Plurianual), LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e LOA (Lei Orçamentária Anual) por “lives” no Facebook.
Não foi permitida interação formal em tempo real pela sociedade, já que apenas os representantes da prefeitura falaram, enquanto os cidadãos foram meros expectadores.
Três especialistas afirmaram ao Farolete que, nos moldes realizados, os encontros da prefeitura não podem ser considerados audiências públicas – uma exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Federal Complementar 101/2000).
Também não foram observados os dispositivos do Decreto Municipal 193/2008, que disciplina as audiências públicas na cidade.
Foram consultados, para essa reportagem, Marina Atoji (gerente de projetos e comunicação da ONG Transparência Brasil), Fabiano Angélico (pesquisador e consultor em projetos de transparência e integridade) e Rubens Beçak (professor associado da Faculdade de Direito da USP de Ribeirão Preto). Saiba, no decorrer da reportagem, a análise de cada um.
O PPA planeja o orçamento pelos próximos quatro anos, enquanto a LOA detalha todas as receitas e despesas que o poder público terá no ano seguinte, seguindo as diretrizes estipuladas na LDO.
A audiência pública permite que a sociedade esclareça dúvidas, faça comentários ou apresente sugestões.
Mesmo com o cenário epidemiológico permitindo a audiência pública em formato presencial ou misto, em razão do relaxamento das restrições pela melhora dos indicadores da Covid-19, o governo Duarte Nogueira optou por realizar os debates da LOA (15 de setembro) e PPA (23 de julho) em formato exclusivamente virtual.
Em outras audiências, como nas das leis complementares ao Plano Diretor conduzidas pela Secretaria de Planejamento, o formato virtual não impediu a participação: foi aberta sala de interação online para a sociedade se manifestar.
Já na LDO, LOA e PPA, as audiências conduzidas pela secretarias de Governo e Casa Civil ocorreram como ‘lives’ em formato rolo-compressor: apenas com transmissão no Facebook, mesmo a prefeitura tendo condições técnicas de abrir sala virtual. Manifestações formais ficaram restritas a e-mails.
Trecho do edital da audiência pública do PPA.
Na audiência da LOA a prefeitura sequer disponibilizou no site a íntegra do documento para consulta prévia da sociedade: apenas uma versão resumida foi apresentada, sem a previsão orçamentária de cada secretaria, projeto e ação.
A gestão Nogueira também não disponibilizou, no site oficial, o relatório final dessas audiências públicas, conforme exige o Decreto Municipal 193/2008.
Já nas audiências das Leis Complementares do Plano Diretor, a sala virtual é aberta para a sociedade participar.
Segundo a gerente de projetos e comunicação da ONG Transparência Brasil, o que a prefeitura de Ribeirão promoveu nas peças orçamentárias foram “consultas públicas, não uma audiência pública”, pois esta possibilitaria a “interação em tempo real”.
Além disso, Marina pontuou ser “fundamental que haja respostas aos cidadãos que participarem, explicando os motivos pelos quais uma sugestão foi ou não acatada ou esclarecimentos necessários a outras manifestações”, bem como um prazo adequado para que as sugestões sejam enviadas.
Na LOA, a prefeitura deu prazo de apenas cinco dias corridos, incluindo sábados e domingos, para a sociedade apresentar as propostas, e não disponibilizou no site o relatório informando as análises.
Com o PPA, o prazo foi ainda menor: apenas dois dias entre a live no Facebook e a data final para a sociedade apresentar sugestões.
“Se a prefeitura não se dispõe a ouvir a sociedade para alinhar sua gestão às necessidades dela, está longe de atender o interesse público e honrar seu dever democrático”, afirma Marina.
Mestre e doutorando em Administração Pública na FGV, com atuação em pesquisa e consultoria em projetos de transparência e integridade, ele aponta que a figura da audiência pública foi criada para “que as diferentes partes interessadas da sociedade possam dialogar com os decisores no sentido de colocar suas questões, preocupações e preferências, ajudando os líderes políticos a tomarem as melhores decisões”.
Em Ribeirão Preto, o formato de lives, segundo Fabiano, é o “de uma comunicação unidirecional, o oposto da ideia da audiência, de mais escutar do que falar”.
Ele pontua que, “se não há transparência e participação popular, a liderança política toma a decisão com base em si mesmo e no círculo mais próximo”.
As consequências, diz, vão desde “políticas públicas que não atendem as demandas da população, passando por erros, e no, limite, até corrupção, pois quando se escuta apenas alguns poucos atores há sempre o risco de que as decisões sejam enviesadas”.
Professor associado da Faculdade de Direito da USP de Ribeirão Preto, ele explica que as audiências públicas são fundamentais como instrumento de transparência e participação popular. O docente ressalva que, em razão da crise sanitária da Covid-19, é até “compreensível” que elas não sejam realizadas no formato anteriormente tradicional.
“Mas a prefeitura substituí-las por informes, virtuais mas estáticos, meros slides, pode ser questionado. Ribeirão poderia ter facilmente realizado as audiências no formato remoto. É altamente criticado, na minha perspectiva, uma prefeitura ter a possibilidade [de promover audiências virtuais interativas] e não realizá-las”.
Em sua visão, considerando o contexto pandêmico, a prefeitura não cometeu ilegalidade ao não promover as audiências. “É necessário considerar os aspectos de idealidade e formalidade previstos na LRF com a nossa atual realidade sanitária”.
A Lei de Responsabilidade Fiscal afirma que “a transparência será assegurada também mediante (…) incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos”.
Segundo o decreto municipal 193/2008, “qualquer pessoa poderá, durante três minutos e oralmente, tecer comentários ao tema, assunto ou projeto apresentado”, e as “inscrições para os comentários orais estarão abertas desde o início da Audiência Pública, encerrando-se 15 minutos após o término da apresentação do objeto da apresentação”.
Iniciada em 2017, a gestão de Duarte Nogueira trata reiteradamente as audiências para elaboração das peças orçamentárias como mero cumprimento de determinação legal: não incentiva a população a participar, promove divulgação burocrática e dá pouca margem para sugestões.
Em Ribeirão Preto, a última experiência de orçamento participativo foi realizado na gestão Dárcy Vera com o programa Governo nos Bairros.
Em 2011 a cidade foi dividida em regiões, cada uma com um Conselho Regional de Participação Comunitária (Corpac), que apresentaram 511 propostas ao orçamento, sendo que 82 foram escolhidas e receberam R$ 18 milhões para a LOA 2012.
Dois anos depois, porém, o Governo nos Bairros foi descontinuado, deixando a maioria das propostas apresentadas em 2012 sem execução em razão da crise financeira da prefeitura. Assim que assumiu, em 2017, Nogueira extinguiu o programa.
Quer conhecer o histórico do orçamento participativo em Ribeirão Preto, incluindo as iniciativas de Antonio Palocci iniciadas em 1993? Leia essa dissertação de mestrado da USP sobre o tema clicando aqui.
LDO: apresentada pela prefeitura à Câmara em abril, aprovada e sacionada.
PPA: em fase de audiências públicas pela Câmara, enviada pela prefeitura em agosto.
LOA: prefeitura está finalizando a peça e enviará a Câmara nos próximos dias.
Farolete questionou a assessoria de imprensa da prefeitura no dia 23 de setembro sobre o formato das audiências públicas descumprir a legislação. Até a publicação desta reportagem não havia sido enviada resposta. O texto será atualizado, caso o governo se manifeste.
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Das 5.570 cidades brasileiras, apenas três não possuem um Plano Municipal de Educação (PME): Ribeirão Preto, Iaras e Vargem, todas paulistas. Sem o documento aprovado na forma de lei, algo obrigatório desde 2016, esses municípios são barrados para recursos milionários do Ministério da Educação (MEC).
O PME planeja as políticas públicas municipais para o ensino pelos próximos dez anos, estipulando gastos, indicadores, metas e ações. Ele é uma exigência do Plano Nacional de Educação, que vigora no país desde 2014.
Ribeirão Preto foi vanguarda ao iniciar suas discussões em 2007, mas as gestões Dárcy Vera (2009-2016) e Duarte Nogueira (2017-atual) foram incapazes de chegar a um consenso entre Executivo, Legislativo e sociedade. Assim, um PNE nunca chegou a ser transformado em lei, algo que outras 5.567 prefeituras tiveram êxito.
“Além de ser dever legal desde 2016, o PME é fundamental para dar um norte que vá além da visão imediatista do secretário ou prefeito de plantão. Sem planejamento de longo prazo, não há qualidade de gestão”, resume José Marcelino de Rezende Pinto, professor da USP-RP e ex-presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (leia entrevista no final da reportagem).
Por não ter PME, Ribeirão Preto está proibido de pleitear recursos do PAR (Plano de Ações Articuladas), um programa do MEC para financiar, com verbas suplementares, ações de melhoria na educação. A informação foi confirmada ao Farolete pelo Governo Federal, por meio da Lei de Acesso à Informação.
No ano passado, o MEC repassou R$ 760 milhões para municípios brasileiros que cadastraram projetos no âmbito do PAR, sendo 60 do estado de São Paulo. A capital paulista recebeu R$ 3,5 milhões.
A minúscula Ubirajara, com menos de 5 mil habitantes, ficou com R$ 642 mil.
Os dados foram analisados pelo Farolete na plataforma de execução orçamentária do MEC. O Governo Federal informou, em resposta à Lei de Acesso, não ser possível estipular quanto Ribeirão Preto já deixou de receber, pois as verbas são definidas de acordo com os projetos cadastrados.
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