Reportagem: Cristiano Pavini
Um polêmico projeto de lei para enquadrar o Supremo Tribunal Federal (STF), possibilitando o impeachment de ministros que “usurpem a competência do Congresso Nacional”, colocou em lados opostos Ricardo Silva (PSB) e Baleia Rossi (MDB), deputados federais ribeirão-pretanos integrantes da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Na reunião da CCJ de quarta-feira passada (5 de maio), o parecer da deputada bolsonarista Chris Tonietto (PSL) defendendo o projeto, tanto no mérito quanto na constitucionalidade, foi derrotado por 33 votos a 32. Baleia votou contra. Já Ricardo foi favorável, contrariando a orientação de seu partido.
O Projeto de Lei 4754/16 foi originalmente apresentado em 2016 por 23 deputados de diversos partidos, entre eles o atual prefeito de São Paulo, Bruno Covas. Seu objetivo inicial era evitar o “ativismo judicial” – quando o Judiciário, em especial o STF, delibera sobre temas que seriam de competência do Legislativo e Executivo.
Ao ser analisado na semana passada pela CCJ, cinco anos após a apresentação, o contexto político ganhou novos contornos, em especial pelo avanço da agenda conservadora nas eleições de 2018.
Chris Tonietto citou, em seu parecer, que o STF teve o papel previsto na Constituição Federal substituído “pelo programa ideológico dos onze ministros”, e citou decisões do Supremo legalizando o aborto de anencéfalos, pesquisas com células-tronco e a união homoafetiva como exemplos de que os ministros estariam “reescrevendo a Constituição do Brasil com seu ativismo judicial” e “violando as prerrogativas do Congresso”.
Ela disse, por exemplo, que a Constituição teve “o objetivo deliberado de impedir o reconhecimento dos mesmos direitos às uniões homossexuais”, criticando a decisão do STF de 2011 de equiparar casais homossexuais à união estável.
A proposta, no projeto substitutivo apresentado por Chris Tonietto, incluía como crime de responsabilidade dos ministros do STF a usurpação da competência do Legislativo, ampliando o leque para o impeachment.
Na CCJ, defenderam a proposta principalmente deputados ligados à bancada religiosa (em defesa de pautas ligadas à família tradicional e à vida desde a concepção) e bolsonaristas (tendo como pano de fundo a possibilidade de enquadrar ministros e limitar seu campo de atuação com a possibilidade de impeachment).
Deputados também criticaram decisões controversas do STF, como a prisão em flagrante do deputado federal Daniel Silveira (PSL) no inquérito das Fake News.
Ao Farolete, o professor associado de Direito da USP-RP, Rubens Beçak, contextualizou o “ativismo judicial” e classificou o projeto de lei analisado na CCJ, da forma como estava redigido, como uma “temeridade” (leia mais abaixo).
O parecer de Chris Tonietto, favorável ao projeto, foi derrotado por apenas um voto na CCJ.
Dos 12 deputados do bloco PSB/PT/Rede/PSOL, apenas Ricardo Silva votou favorável ao projeto.
Ao Farolete, Ricardo alegou que sua análise pessoal não abrangeu o mérito da proposta, apenas que ela é constitucional.
Entretanto, não há como dissociar a votação: como o parecer da relatora era favorável tanto ao mérito da proposta quanto à constitucionalidade, Ricardo também votou pelo conteúdo do projeto, e não apenas a forma.
“O voto do deputado não levou em conta divisões na Comissão de Constituição de Justiça, muito menos movimentos ideológicos de petismo ou bolsonarismo. Foi um voto técnico, com vistas a analisar se o projeto poderia tramitar na Casa. É análise sobre constitucionalidade do projeto”, alegou Ricardo, em nota enviada pela sua assessoria.
Ricardo disse que “tem repudiado debates ideológicos em meio a uma comissão que deve levar adiante o debate estritamente técnico”. Sobre o mérito, afirmou que “há no Brasil, claramente, um ativismo judicial, em todas as esferas”, mas que irá analisar a questão antes de se manifestar.
Já Baleia Rossi acompanhou toda a bancada do MDB e foi contrário ao parecer da relatora.
“A harmonia e a independência dos poderes são uma conquista da Constituição Cidadã de 1988. Essa talvez seja a maior conquista da democracia brasileira. Nosso modelo de escolha do STF segue o exemplo dos Estados Unidos, a democracia mais longeva do mundo. Nenhum ministro chega ao STF sem aval do Congresso, no caso o Senado. E já existe previsão legal para o impeachment de seus membros” afirmou o deputado, em nota enviada ao Farolete.
O deputado Pompeo de Mattos (PDT) foi escolhido o novo relator. Em seu parecer, ele citou que as decisões do STF citadas pela deputada Chris Tonieto foram tomadas mediante a omissão do poder Legislativo em analisar esses temas.
“O STF estava, nesses casos, atuando com todas as suas prerrogativas constitucionais. Ora, se nós, nesta Casa, não legislamos sobre determinado tema e a sociedade se vê perante uma situação de direito e recorre ao STF, cabe a este se manifestar. O que não podemos é amordaçar qualquer poder”, afirmou.
A oposição enxergou na proposta uma ameaça direta ao STF. O presidente Jair Bolsonaro, seus filhos e aliados próximos estimulam protestos contra o Judiciário. Eduardo Bolsonaro, inclusive, comemorou na semana passada a destituição dos ministros de El Salvador.
Rubens Beçak, professor associado da Faculdade de Direito da USP-RP e especialista em Direito Constitucional, contextualizou ao Farolete o que é o “ativismo judicial”. Abaixo um resumo de sua análise:
“A questão é muito controversa, mistura duas coisas muito importantes no Brasil nas últimas décadas. Uma delas é a utilização do impeachment, em que casos ele cabe, se a lei deve ser alterada ou não. E a outra coisa, esta mais recente, é a utilização excessiva do ativismo judicial em situações que, em uma ótica mais tradicional, poderiam ser resolvidas pelo parlamento.
Simplificando, sem usar o juridiquês: a Constituição tem instrumentos, as ações de constitucionalidade, que permitem ao Judiciário, por meio de seus tribunais, em especial o STF, atuar para a implementação do que vem previsto na Constituição e os outros poderes não atuam.
Se o poder titulado para fazer alguma coisa, que pode ser Executivo ou Legislativo, tem o poder para fazer alguma coisa e não o faz, o STF analisa se cabe a ele uma ação para interpretar a norma, a política pública, de acordo com o espírito constitucional.
Por isso muitas vezes temos a sensação de que o Supremo está entrando em áreas que não deveria entrar, como as do poder Legislativo.
O que podemos discutir nessa questão do ativismo é se existe um excesso dessa ação do STF. Muitas vezes o Supremo alega que está agindo em nome do interesse constitucional, e ele às vezes excede esse trabalho de interpretação de direitos e normas.
Mas onde está o limite?
Eu sou a favor do ativismo, pois senão não teríamos a implementação de muitas coisas, como a demarcação de terras indígenas, políticas de cotas, aceitação da união homoafetiva, pesquisa com células-tronco, entre outros.
Mas em muitas vezes o Supremo se excede, exagera, em especial quando entra em tópicos que não são de interpretação de direitos, como quando trabalha, junto ao TSE [Tribunal Superior Eleitoral], nas normas de direito eleitoral e partidário, como quando proibiu a doação de pessoas jurídicas. Não entro no mérito dessa questão, mas era um trabalho do Legislativo”.
Segundo Beçak o impeachment se tornou uma forma de não aceitar o resultado eleitoral, desvirtuando o seu propósito original.
“Isso é uma distorção. Poderíamos utilizar no Brasil institutos utilizados em outros países, como recall existente no estado da Califórnia, que permite que assim como se elege alguém possa deselegê-lo no meio do mandato se descumprir as promessas ou se exceder”.
Sobre o Projeto de Lei 4754/16, que amplia a possibilidade de impeachment para ministros do STF, analisado pela CCJ da Câmara, ele diz que “mudar para uma questão tão genérica, como proposto pelos deputados, é uma temeridade, pois não fica especificado em que momento o Supremo estaria passando em cima de competência do Legislativo”.
Para ele, “em tese, se fosse aprovado como está, poderia até fazer com que decisões que o Supremo deu nos últimos 33 anos, e mais acentuadamente de 2007 para cá, fossem entendidas como excesso dos ministros, passível de punição por impeachment. O que não significa, porém, que não podemos discutir modificações da lei ou até introduzir o recall”, afirmou.
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Das 5.570 cidades brasileiras, apenas três não possuem um Plano Municipal de Educação (PME): Ribeirão Preto, Iaras e Vargem, todas paulistas. Sem o documento aprovado na forma de lei, algo obrigatório desde 2016, esses municípios são barrados para recursos milionários do Ministério da Educação (MEC).
O PME planeja as políticas públicas municipais para o ensino pelos próximos dez anos, estipulando gastos, indicadores, metas e ações. Ele é uma exigência do Plano Nacional de Educação, que vigora no país desde 2014.
Ribeirão Preto foi vanguarda ao iniciar suas discussões em 2007, mas as gestões Dárcy Vera (2009-2016) e Duarte Nogueira (2017-atual) foram incapazes de chegar a um consenso entre Executivo, Legislativo e sociedade. Assim, um PNE nunca chegou a ser transformado em lei, algo que outras 5.567 prefeituras tiveram êxito.
“Além de ser dever legal desde 2016, o PME é fundamental para dar um norte que vá além da visão imediatista do secretário ou prefeito de plantão. Sem planejamento de longo prazo, não há qualidade de gestão”, resume José Marcelino de Rezende Pinto, professor da USP-RP e ex-presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (leia entrevista no final da reportagem).
Por não ter PME, Ribeirão Preto está proibido de pleitear recursos do PAR (Plano de Ações Articuladas), um programa do MEC para financiar, com verbas suplementares, ações de melhoria na educação. A informação foi confirmada ao Farolete pelo Governo Federal, por meio da Lei de Acesso à Informação.
No ano passado, o MEC repassou R$ 760 milhões para municípios brasileiros que cadastraram projetos no âmbito do PAR, sendo 60 do estado de São Paulo. A capital paulista recebeu R$ 3,5 milhões.
A minúscula Ubirajara, com menos de 5 mil habitantes, ficou com R$ 642 mil.
Os dados foram analisados pelo Farolete na plataforma de execução orçamentária do MEC. O Governo Federal informou, em resposta à Lei de Acesso, não ser possível estipular quanto Ribeirão Preto já deixou de receber, pois as verbas são definidas de acordo com os projetos cadastrados.
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